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In media virtus ou Holzwege?

Caminhos das Terceiras Vias

Paulo Ferreira da Cunha

Faculdade de Direito da Universidade do Porto

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16-10-2004 18:18:58


Índice

Introdução
Economia, Sociedade e Política – alguns Caminhos de Utopismo
Conclusão

Introdução

Dado o desencanto generalizado do nosso tempo pelas ideologias e utopias 1 tradicionais, e a sua real falência prática, um exercício “de estilo” talvez não totalmente inútil seria o de tentar, na perspectiva geral das terceiras vias, encontrar algumas linhas comuns de resposta às encruzilhadas do presente. Se persistirmos nas vias consabidas, o preço será certamente, antes de mais, não só a agudização de um profundo descontentamento, mas também um cada vez mais vasto alheamento do Povo face às instituições, com os perigos de autoritarismos e totalitarismos que sempre espreitam os laxismos e imprudências de democracias demasiadamente auto-satisfeitas, sobretudo auto-satisfeitas das suas partidocracias governantes 2

A propósito da designação escolhida, não se ignora que já Anthony Gidens, no seu livro The Third Way 3 , reconhecia que tal tem sido nome para coisas muito diversas ao longo dos tempos. A expressão é, porém, sugestiva. Mas independentemente do nome que se escolha, a verdade é que conciliar sociedade, economia e política de forma equilibrada e moderada é coisa que se impõe, se continua a impor, contras as visões cristalizadas, enquistadas, e os novos enquistamentos, sejam do politicamente correcto 4 esquerdista, sejam do politicamente correcto neo-liberal, na verdade mais conservador-capitalista - agora já sem hipocrisias - que propriamente liberal 5 . Ambos os sistemas de crenças (e pré-juízos) constituem hoje o chamado “pensamento único” 6 . Apesar de tudo contendo este semi-pluralismo…

Foi o que aqui procurámos fazer, até como convite a que outros utopismos realizáveis se tracem, se esbocem, se ensaiem. Em grande medida nos inspiramos em textos clássicos das correntes políticas estrangeiras que mais nos têm chamado a atenção nos últimos tempos 7 … Em Portugal, infelizmente, o debate em torno destas matérias tem sido muito pobre, e sobretudo ideologizado da pior forma, ou seja, da forma proselítica – no seu pior sentido.

O ensaísmo é precisamente experimentar caminhos. Por vezes sendas novas, por vezes peregrinação já muitas vezes feita, mas sempre iniciação para quem começa. Para uns, evidentemente, estaremos perante Holzwege 8 , caminhos que não levam a parte nenhuma, na floresta de enganos da política. Pelo contrário pessoalmente pensamos que estas vias do meio, ainda que nem sempre rápidas nem largas, são as mais seguras e as mais directas.

Economia, Sociedade e Política – alguns Caminhos de Utopismo

A distinção entre utopia e o utopismo 9 é que aquela é planificadora, racionalista, sempre mais ou menos concentracionária, mito da cidade ideal 10 e de algum modo “fabricante de infernos” (para retomar um título de Agostinho Caramelo), e este é um princípio (de) esperança (nas palavras de Bloch 11 ). A primeira, como diria Marx, “redige as ementas das tascas do futuro”, coisa que o socialista alemão, que se desejava científico, se recusava a fazer...O segundo é um sopro de renovação, que se limita a fornecer pistas, sem a pretensão de completude ou de certeza, como um simples guia para uma acção, que terá de ser, inevitavelmente, sonho por um lado, e navegação de cabotagem, por outro. A utopia de algum modo matou ou fez definhar o utopismo: porque as desilusões mesmo das ementas marxistas, e sobretudo marxistas mais qualquer coisa, redundaram em muitos casos na recusa de todo o sonho. E assim não é difícil aos jovens revolucionários comunistas passarem a maduros conservadores. E em jovens e não jovens o sonho retira-se para a vida privada, como num novo “Enrichissez vous” de Guizot. Contudo, em tempos de “privatização da utopia” 12 importará reagir, com utopismos sociais activos e convincentes – por isso mesmo, realistas.

O grande desafio de utopismo económico-social do nosso tempo é o de alcançar uma nova síntese – mas uma síntese dinâmica e galvanizante - entre a necessária intervenção do Estado e a iniciativa do indivíduo, sem o que o aquele se transformará numa burocracia opressiva e este apoucado à condição de simples súbdito – por muitos direitos abstractos que mil e uma constituições e cartas lhe atribuam em teoria. Com efeito, importa ter a maior precaução no equilíbrio entre os casos de necessária intervenção estatal e aqueles em que é aconselhável a sua não interferência. Mesmo os ditos liberais mais abstencionistas teriam que justificar neutralmente uma neutralidade do Estado que pretendem auto-evidente 13 .

A solução, que não é nada simples na prática, parece poder encontrar-se na reconciliação dos interesses dos indivíduos, de cada indivíduo, com os interesses da sociedade como um todo – devendo o Estado encarar seriamente, e como um ónus de honra, a representação geral do bem comum social. Sendo certo que a liberdade do indivíduo vem ontológica, lógica e historicamente primeiro, não é menos verdade que o Estado deve intervir - sem complexos abstencionistas e sem megalomanias absolutistas - para assegurar, para tornar efectiva, essa mesma liberdade: em todas as suas dimensões, embora dentro dos limites da razoabilidade e da competência, que em grande parte se pode aquilatar por uma sã aplicação do princípio da subsidiariedade.

Mas também não há soluções mágicas e apenas formais: sem indivíduos responsáveis, honestos, diligentes, nenhum sistema, por si só, pode funcionar. E a fortiori o sistema político em que vivemos, e a economia social de mercado, que se baseiam precisamente na liberdade e na iniciativa das pessoas. Pelo que, quer no sector público, quer no sector privado, antes de mais parece ser necessária uma profunda reforma de mentalidades, que passa – antes de mais, e como condição de tudo o mais - por mais formação, mais educação, mais civismo. E, no nosso caso, tudo deve ser escrupulosamente integrado na nossa cultura, a cultura portuguesa, que não é um dado abstracto, nem decorativo – não é um banal folclorismo, uma atracção turística - , mas uma profunda idiossincrasia. Uma cultura que é europeia e é universalista, e sem cuja compreensão toda a política resvalará, se não para o oportunismo, pelo menos para uma tecnocracia, sensaborona ou ferozmente competitiva, mas sendo sempre governo da técnica, isto é, própria para dirigir máquinas e não para Homens.

Há quem identifique esta posição de equilíbrio entre o público e o privado, o próprio e o comum, que é afinal de moderação, com alguns dos seus opostos: com os seus velhos antepassados de laissez-faire 14 , ou com algumas suas “heresias” modernas mais extremistas, como os neo-liberais e afins. Outros confundem o mesmo almejar do equilíbrio, quando afirmado numa clave mais social, com colectivismos ultrapassados. Não se pode fazer tal confusão: aliás, o facto de os adeptos das terceiras vias tanto serem confundidos com certas posições clássicas ou modernas digamos “de direita” como de “esquerda” 15 é a prova de que não foram compreendidos, e de que realmente são coisas diferentes.

Crêem, porém, em geral, as terceiras vias ser necessário, ao invés, uma grande atenção aos reptos do presente e às esperanças do futuro, como às particularidades de cada País; e a solução económico-política a encontrar, no diálogo e na investigação, não poderá ser, por definição, senão a de uma radical e positiva moderação, feita do aproveitamento do que de melhor há nas correntes progressivas da sociedade moderna. Miguel Reale sintetiza esse social liberalismo como “o resultado da convergência entre a herança liberal e socialista e, por ser o resultado natural de um processo histórico, surge desprovido de preconceitos e antagonismos abstractos, obedecendo às exigências e às conjunturas de cada povo rumo à democracia social” 16 .

Há realidades novas que implicam novas respostas. Sabemos que não somos hoje um país economicamente rico, embora sejamos um país cheio de potencial humano, que contudo não encontra clima geral de confiança e entusiasmo para acreditar, e suficiente formação para se desenvolver. E sabemos também que a distribuição da riqueza é aqui profundamente injusta, chocando com o valor fundante da Igualdade (ou até da simples Solidariedade Social), pondo em risco o da Justiça, o que poderá, a prazo, comprometer o da própria Liberdade.

Se as democracias ocidentais (não falemos sequer das ditaduras por esse mundo fora!) não têm sabido cativar os jovens e cavam fossos de desencanto por se terem tornado incapazes de dar corpo àquele sopro de ideal que é suplemento de alma imprescindível ao ânimo das gentes, se essas mesmas democracias se revelaram incapazes de adaptar as suas instituições setecentistas e oitocentistas aos reptos do século XXI, e mesmo se tornaram ineptas, em muitos casos, para promover mais justiça social e mais qualidade de vida, em Portugal (ao contrário do que se diz por aí uma democracia velha 17 , reencontrada há relativamente pouco) todas estas questões se põem ainda de forma mais aguda: porque o nosso hiato anti-democrático e anti-liberal foi acompanhado por um subdesenvolvimento talvez bucólico mas efectivo nos tempos do Estado Novo, e por um pauperismo que deixou traços profundos na sociedade portuguesa. Chamemos os nomes às coisas, sem medo de confusão com certos anti-fascistas de discurso: o Estado Novo é responsável por ambos. Foi um longo período de obscurantismo, repressão, mediocridade, e privilégio. E nem na paz política de que, apesar de tudo (e a que preço para as liberdades!), usufruiu foi sequer capaz do desenvolvimento que se impunha.

Ora, em Portugal muito em particular, corre-se o risco de uma errónea identificação entre liberalismo e individualismo, entendido este não como autonomia livre da pessoa, do cidadão, do consumidor, do trabalhador…mas como egoísmo: e sobretudo egoísmo de quem pode ser egoísta, ou seja – dos possidentes. A recusa de muitos jovens desencantados em participar na vida pública, ou as tentações pelos extremismos pretensamente redentores, só poderá ser atacada com uma visão ao mesmo tempo genuína e nova dos velhos valores democráticos e liberais, que em si mesmos apontam, designadamente pela ética republicana (mas tal era também a posição de John Stuart Mill e os democratas liberais éticos, por exemplo 18 , para uma democracia de valores, e não para uma fórmula seca, vazia, e apenas ritualista – a democracia simplesmente técnica. Por exemplo: o social-liberalismo (efectivamente muito mais próximo da “social-democracia” que do anarco-capitalismo 19 ) não é, como algum “liberalismo” tacticamente não adjectivado, mas que é a própria negação do liberalismo pelas suas raízes autoritárias e conservadoras, um egoísmo dos privilegiados, mas liberdade no contexto de uma sociedade política, de uma comunidade, o que implica necessariamente responsabilidade e solidariedade para com os nossos semelhantes. Estudos de vários autores cada vez mais indicam a confluência 20 entre o liberalismo social, ou social-liberalismo, e os cânones do realismo clássico e da própria doutrina social da Igreja, alicerçada na fonte tomista – que foi, como se sabe, a base da política social da democracia cristã (Maritain diria mesmo que o verdadeiro fundador da democracia cristã foi São Tomás 21 – o que é um exagero e uma posição pro domo, mas mesmo assim significativa 22 ), sobretudo a democracia cristã não conservadora. Social liberalismo, social-democracia (e socialismo democrático, como se prefere chamar nos países do Sul), democracia cristã e mais alguns são exemplos de lugares políticos aptos ao florescimento de “terceiras vias”. Embora a democracia cristã próprio sensu pareça atravessar uma crise profunda 23 ...

Com a superação da actualidade europeia do problema comunista (que levara às primeiras “terceiras vias” fazendo a bissectriz em modelos do tipo “auto-gestionário” ou de “euro-comunismo” – totalmente ultrapassados hoje 24 ), com a perda de importância e autonomia afirmativa da democracia cristã, é natural que nos últimos tempos as terceiras-vias com maior visibilidade sejam as socialistas/trabalhistas/sociais-democráticas 25 . O social-liberalismo e afins são menos visíveis, e há quem pense que a sua vocação é mais intelectual e de inspiração do que prática. Assim, por exemplo, afirma Renato Treves: “o socialismo liberal não se concretiza no programa de um partido, mas continua a ser uma ideologia de elite, que está fora dos partidos e que no máximo exerce em relação a eles uma função de crítica e de estímulo” 26 .

Ao contrário dos totalitarismos de várias cores, não parece chegado nem de perto nem de longe o anunciado “fim da História” 27 , numa sociedade perfeita, em que os problemas seriam de uma vez por todas solucionados. Trata-se de trabalhar por reformas, por tentativas e erros, melhorando sempre, numa tarefa sem fim.

Esta tarefa de meliorismo social é aliás uma das características básicas do liberalismo em geral 28 (de onde decorrem todas as referidas posições políticas), bem como algum cepticismo de princípio, e, em alguns casos, um certo pessimismo antropológico 29 , , que leva a desconfiar à partida de todas as utopias… Sendo a democracia liberal um sistema imperfeito, é todavia o mais adequado à liberdade, à dignidade humana e à justiça social, e ainda o mais apto à mudança das instituições, na preservação do essencial, dos valores. Não é por acaso que os adeptos de todas aquelas posições políticas construíram em conjunto a presente democracia liberal ocidental e são, em geral, democratas liberais antes de mais (já não o são os fascistas, os comunistas, etc.). Embora a presente democracia liberal que temos seja apenas uma das formas possíveis de democracia liberal, bem entendido…

Mas, para além de semelhanças, há diferenças. Para além dos princípios políticos que lhe são próprios, e que em geral são correctamente identificados por amigos e adversários – tais como a defesa do Estado de Direito, dos Direitos Humanos, da Separação dos Poderes, da Descentralização, da Subsidiariedade, etc. - , os sociais liberais defendem hoje por todo o mundo princípios sociais e económicos próprios, que os distinguem dos conservadores e dos colectivistas totalitários, desde logo, além de outros. Desde logo, ressalta a defesa a Igualdade: em dignidade, direitos e oportunidades. O que não pode ser encarado apenas como uma figura de estilo, uma tirada de retórica, mas que procura ter consequências práticas, em todos os domínios da vida.

Trata-se, antes de mais, da protecção do indivíduo contra os principais azares da existência humana. Sem se confundir com o igualitarismo, que é um dos contrários da verdadeira Igualdade, pensa-se como essencial uma mais justa distribuição da propriedade e dos rendimentos.

A economia de mercado é concebida assim como baseando-se em freios e contrapesos, nomeadamente ao nível empresarial/laboral, pelo que se pretende dar voz a sindicatos e associações patronais no sentido de planificar a economia de modo a alcançar relações de trabalho consideradas mais sãs e mais justas. Nesse sentido se conta também com a modernização tecnológica e acima de tudo com a melhor instrução geral, formação profissional, e gestão de recursos humanos capazes de aliviar o peso das condições de trabalho e humanizar a vida nas empresas e nas instituições em geral.

De igual modo, advoga-se ainda a democracia empresarial, com participação responsável e qualificada dos trabalhadores e com distribuição dos lucros. Sem prejuízo de se tentarem, nesta senda, novas formas de participação, gestão e propriedade, com prudência mas também com imaginação sociológica, em geral propugna-se o impulso a cooperativas, empresas autogestionárias, e à ramificação empresarial. E apoia-se fortemente a ética empresarial, a qual, segundo estudos de especialistas, parece revelar como o anti-maquiavelismo empresarial compensa: pois não só seria mais justa e como até mais rentável a prazo, para empregadores, trabalhadores e consumidores.

Mas o ponto crucial da política económica e social em causa parece ser a procura do pleno emprego. O crescimento do desemprego em Portugal, que tão dramaticamente afecta quer os mais novos, quer os que chegaram ao limiar dos anos preconceituosamente tidos por mais produtivos, atinge um grau dramático, e particularmente obrigaria mesmo os menos preocupados com o social a medidas de excepção, tanto das empresas, como do Estado.

De novo, terá de haver planificação. A referida planificação nada tem a ver com os planos quinquenais colectivistas, mas é uma planificação da liberdade e para a liberdade, baseando-se na interacção entre a iniciativa privada e a intervenção estatal. A sociedade moderna, e em particular a sociedade portuguesa, são demasiadamente complexas para poderem ser governadas pelo unilateralismo de uma teoria exclusivista, que privilegiasse só o sector público ou só o sector privado.

Tudo aponta, outrossim, para o fomento da actividade concertada de empresas privadas e do Estado, e o Estado deve promover, especificamente nos sectores para que não tem qualquer vocação e em que provou ser ineficaz (não nos lucros, mas na qualidade dos serviços), o surgimento e o desenvolvimento de empresas saudáveis, fortes, competitivas, fonte de riqueza e de benefício social. Se os colectivistas normalmente defendem os interesses sindicais, e se os conservadores se preocupam especialmente com as associações patronais, os adeptos das terceiras vias, nomeadamente os sociais liberais, são antes de mais tocados pelos interesses dos consumidores, sem esquecer o todo social, que inclui trabalhadores e empregadores – como aliás hoje todos acabam por reconhecer. Um anúncio desta posição poderá quiçá ver-se já, em 1870, neste passo de Thomas Hill Green: “o verdadeiro liberal é, por natureza, um reformador social, o paladino do humilde explorado e o adversário de todos os altos interesses dominantes e predatórios. (…) os capitalistas não são os únicos a terem privilégios egoístas e predatórios; o operariado bem organizado, abrangendo muitos milhões de trabalhadores, pode também ser predatório e perigoso ao bem-estar comum”. Claro que hoje esse perigo é muito menos efectivo. Tudo se transforma…

Não se pode tratar financeiramente a questão económica, nem apenas economicamente o problema da qualidade de vida. Há que ter em conta o ambiente, quer natural, quer humano e social. Uma política económica tem de ser necessariamente social e necessariamente ecológica, no seu sentido mais vasto…

Outro problema actualíssimo é o debate dito do “género”. A sociedade é constituída por uma Humanidade dual, com uma mesma natureza, certamente, mas com géneros diversos. Assim, o estatuto da Mulher na sociedade deve ser de plena igualdade de direitos com o Homem. O que tem evidentes consequências sociais e económicas. Em Portugal, ainda há muito a fazer por essa igualdade que, ela também, não pode ser aritmeticamente igualitária mas muito mais subtil.

Questão sempre em cima da mesa, a educação é a pedra de toque e a base de toda e qualquer política renovadora. É o principal instrumento capaz de simultaneamente promover a paz, a luta contra as barreiras de classe e as injustiças económicas, etc. A educação deve começar na família, e é a base da boa cidadania.

Outro factor educativo e de cidadania fulcral é a comunicação social. Perante os desafios de concentração mediática, de par com mudanças tecnológicas e de globalização, reconhece-se que para assegurar o pluralismo pode tornar-se necessária a intervenção estatal no sector. Jamais a liberdade de expressão pode deixar-se apenas à mercê do livre jogo do mercado, porque para além das censuras oficiais dos lápis azuis há as censuras dos grupos económicos, as censuras dos que controlam as redacções, as censuras de cada detentor de uma nesga de poder de publicação ou não, e finalmente as auto-cesuras de todos os que produzem conteúdos comunicáveis. São limitações demais. E que ao invés de se minorarem, se multiplicariam numa sociedade da informação totalmente privatizada, sem o contra-peso dos serviços públicos de comunicação, sem que órgão pagos pelos contribuintes, e controlados pluralmente pelas diversas forças, não só políticas, como sociais e culturais, dessem voz a quem não a tem, e exprimissem o caleidoscópio das nossas sociedades abertas e plúrimas.

A equação ideológica sempre aqui em causa baseia-se em que não pode haver liberdade política com controlo centralista e estadualizante da economia, e também não pode haver liberdade económica sem direitos humanos. O caso da informação pode servir como ilustração, mas sempre se trata da mesma questão: não exagerar, não conferir poder demasiado a nenhum dos intervenientes, porque, como diz o velho brocardo, “todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

Ora, os direitos humanos – que são uma base essencial de toda uma política de progresso e democracia multidimensional - englobam uma componente filosófica de base jusnatural, uma componente internacional de respeito pelas diferenças e luta pela paz e por relações justas entre os Estados a todos os níveis, e ao nível interno implica o reconhecimento de várias gerações de direitos: de liberdade, de participação, económicos, sociais e culturais, e finalmente ambientais e afins. Embora haja hoje uma inflação teórica de direitos e uma perversão no seu entendimento (como quando se fala de direitos dos animais), e o politicamente correcto pretenda ver direitos onde os não há, soprando no fole da reivindicação permanente e imoderada, a verdade é que apesar de tudo há direitos, e não só direitos negativos. Mas direitos que permitam o livre desenvolvimento da personalidade de cada um, e que derivam, sem mais, da simples e digníssima condição de se ser Homem.

Uma economia social de mercado tem de estar em articulação com a democracia política e social – aliás uma e outra mutuamente se geram. Tal implica uma permanente luta contra os monopólios, os cartéis, os trusts restritivos, as práticas restritivas e as “posições dominantes”, abertas ou disfarçadas, públicas ou privadas. Com excepções, todavia: as autorizadas pelo Direito e cumulativamente justificadas por imperativos de índole social. O que deve ter um sentido muito rigoroso, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento…

Na verdade, sabemos que, em situações de pauperismo quer a democracia quer o próprio mercado encontram dificuldades. Não sendo Portugal um país subdesenvolvido, tem todavia traços de atraso, visíveis socialmente em bolsas de miséria ou privação, que obrigam a medidas diversas das dos países ricos e desenvolvidos. Sem que isso seja uma menorização para a dignidade do País e da sua gente, que não se pode avaliar pelo simplesmente material.

Mesmo em sede geral e para os países ricos se não pode identificar a política social liberal com o frio e distante “laissez-faire”, com o monetarismo puro, com a indiferença à sorte dos mais pobres e do todo da comunidade. A liberdade económica que não traga consigo a prosperidade da comunidade em que se pratica corrompe-se numa anarquia capitalista, e acaba por tornar-se, pelo menos a prazo, uma fonte de opressão – também política. Para além da pesadíssima opressão económica e social em si.

Sem negar que se deve promover a responsabilização dos indivíduos, que devem tornar-se previdentes, designadamente poupando, investindo, encontrando fórmulas de prever e prover ao seu futuro, o certo é que em todas as sociedades há não só pessoas menos cuidadosas como indivíduos desafortunados que não podem ser esquecidos nas várias situações de má sorte. A doença, a incapacidade, o desemprego, a senectude são casos que devem ser tomados a sério pela comunidade, representada pelo Estado. O qual deve assegurar a todos a segurança social e bem-estar material compatíveis com a igual dignidade humana de todos. Todavia, um especial cuidado se porá no evitar da proliferação de subsídio-dependentes, que já existem, e os respectivos correlatos burocráticos, sedes de novos poderes fácticos e arbitrários. Sendo sempre de ponderar o menor dos males: se a degradação na pior decadência, na marginalidade, ou no crime, se a existência de algumas disfunções no sistema, inevitáveis, mas que devem ser atalhadas com vigilâncias efectivas e apertadas. Não há dúvidas que uma posição de preocupação social tem de se condoer com a sorte destes desfavorecidos.

Custear um Estado, ainda que de terceira via (não um Estado Providência puro, mas também não um simples Estado guarda-nocturno), implica, naturalmente, a cobrança de impostos e taxas. Em geral, o princípio deve ser o de não sobrecarregar o contribuinte, fazendo pagar ao utente taxas pelos serviços prestados. Porém, serviços essenciais, e que constituem não só deveres do Estado como “investimentos” nos recursos humanos do País, como a Educação e a Saúde, devem – por muito utópico que tal possa hoje parecer, em tempos de crise e austeridade - tender para a gratuitidade. E os respectivos serviços devem poder ser fornecidos aos cidadãos com qualidade, independentemente da sua fortuna ou conhecimentos pessoais nas respectivas classes prestadoras.

Os impostos devem ser equitativos. Os menos abastados poderiam, por exemplo, ser isentos de imposto, substituindo-se ainda o subsídio de desemprego pela fórmula do imposto negativo. Teria um valor simbólico esta substituição, embora se reconheça que, em Portugal, o problema é o perigo de deixar de haver prestações sociais, e de se verem muito minoradas – ainda mais, num país que já se encontra tão abaixo da média europeia neste domínio. Nesse sistema, a partir de um nível mínimo de subsistência, há quem pense que poderia passar a haver imposto com taxa fixa, igual para todos: talvez uma forma de incentivar os ricos a não fugir ao fisco, e de aliviar a carga na classe média, aquela que hoje é tributariamente mais sobrecarregada. Mas na lógica dos impostos só a experiência o pode dizer, porque aí se excede uma imaginação fiscal de fuga, sobretudo por parte de quem mais pode. Os trabalhadores por conta de outrem, esses, sempre pagam: não podem fugir. A fuga ao fisco tem de ser repensada: não com impostos por conta aos desgraçados autores de livros que se não vendem, aos comerciantes que não facturam, mas olhando para quem claramente foge.

Conclusão

Todos estes princípios económicos e sociais se inscrevem, de uma forma ou de outra, na tríade valorativa da Liberdade, da Igualdade e da Justiça – que são, num nosso entendimento que não é de ontem (e que descobrimos, curiosamente, a partir da Constituição espanhola de 1978, na nossa inspirada), os valores políticos da Constituição da República Portuguesa de 1976 – e em geral presentes, de uma forma mais ou menos evidente, em muitas ordens constitucionais 30 . Nenhum destes valores pode viver sem os outros dois. Portanto, quando, por exemplo, se afirma que o grande objectivo económico e social é obter o pleno emprego e consequentemente erradicar a pobreza – pela via do trabalho, de forma alguma se está a proclamar a utopia colectivista do igualitarismo, e muito menos a advogar os métodos ou ditatoriais ou ao menos niveladores por baixo, que têm sido, de uma forma ou de outra, os seus.

Não se trata, assim, de ter as pessoas todas iguais, independentemente das suas especificidades, nem pessoas totalmente niveladas, independentemente dos seus méritos – o que conduziria a um sociedade sem estímulo, e portanto cada vez mais abúlica e cada vez mais pobre.

Cada ser humano é único: e tal também se pode avaliar pela diferença de necessidades de cada um. O nível de riqueza de que um precisa para simplesmente trabalhar pode equivaler àquele que outro jamais seria capaz sequer de esbanjar numa vida fútil e improdutiva socialmente. As necessidades são diversas, assim como vário é o trabalho e a utilidade e o valor sociais de cada um. A Igualdade em questão consiste na igualdade de oportunidades para o auto-desenvolvimento, que implica também o contributo de cada um para a sociedade. E por isso é que não se podem considerar matérias como a Cultura, a Educação, a Comunicação Social, a Saúde e a Segurança Social como simples empresas submetidas às regras do mero lucro. Elas são, pelo contrário, antes de mais, serviços sociais que visam promover a igualdade de oportunidades. E por isso a sociedade, pelo intermédio do Estado que a representa, e do Governo, que este comanda, tem o dever de particularmente acarinhar estes sectores, que não foram feitos para dar lucro ao Estado, mas bons serviços ao todo social, e muito em especial aos mais desfavorecidos. Portugal em particular tem um deficit profundo em todos estes sectores, que necessitam de radical desburocratização, bom senso directivo, rigor na utilização dos dinheiros públicos, mas não de demissão estadual, que só agravaria o fosso entre ricos e pobres.

É interessante recordar-se que uma das interpretações desta tríade vai precisamente no sentido de que o valor igualdade se deveria sobretudo aos socialistas e o valor liberdade sobretudo aos liberais. Sendo embora uma forma de ideologizar valores constitucionais, que gostamos sempre de tornar mais inócuos, não deixa de ser uma observação com pertinência para o nosso presente tema. Contudo, não há exclusividades. E o socialista e filósofo do Direito Prof. Doutor D. Gregório Peces-Barba, um dos pais da Constituição Espanhola, que de forma expressa declara estes valores, afirmaria, numa perspectiva da síntese: “(...) En definitiva, se trataba creo de expressar los valores de la síntesis liberalismo-socialismo como las grandes ideologías que están en la base de la Democracia moderna, y conseguientemente de una teoria democrática de la Justicia, con la pretensión de informar a un texto Constitucional como el español” 31 .

Na verdade, por exemplo, os liberais sempre tiveram uma costela social 32 . O neo-liberalismo é que o não deixa ver…Os socialistas democráticos, por seu turno, nunca puseram em causa o essencial do património político do liberalismo e têm vindo a aproximar-se uns de outros no plano económico, se encararmos políticas práticas. O complexo de Marx – e Marx terá que um dia ser relido, depois de passar a sua má estrela contemporânea – está a passar. Se Eduardo Lourenço foi muito certeiro na sua clássica análise da ideologia socialista, vinculando-a necessariamente ao marxismo, estamos hoje numa era sem dúvida pós-marxista, mesmo entre os socialistas. Talvez estejamos mesmo no pós-socialismo…Ou no advento de um novo socialismo – talvez a primeira verdadeiramente autónoma ideologia socialista 33 .

Há várias opiniões sobre a futura convivência das posições progressivas moderadas no Mundo actual. Decerto por verificarem a convergência prática entre liberalismo e socialismo democrático/social democracia, autores como António Paim 34 – cujas simpatias pela escola austríaca não permitem considerar como um social-liberal puro – pressagiam que o grande confronto futuro será entre estas duas tendências políticas. Cremos, porém, que face, de um lado ao politicamente correcto esquerdista, que (substituindo os colectivismos comunistas na militância e na utopia) ameaça invadir todos os campos (mas sobretudo o socialista e alguns sectores do liberal), e frente, por outro lado, ao conservadorismo e demais posições “de direita” (incluindo naturalmente os neo-conservadores, os libertários anarco-capitalistas, e afins), que naturalmente tenderão a enquistar-se, como reacção - os moderados, sociais e liberais, têm uma sorte em larga medida comum 35 . Em defesa, desde logo, de um grande, do principal valor da Democracia Liberal e Social que uns e outros defendem: o valor do Homem, em todas as suas dimensões, que se encontra de novo ameaçado.

Porto, 30 de Junho de 2004



[1] Distinções já clássicas v.g. in Karl MANHEIM, Ideologie und Utopie, Bona, 1930, trad. port., Ideologia e Utopia, 4.ª ed. bras, Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1986; Paul RICOEUR, Lectures on Ideology and Utopia, ed. por George Taylor, New York, Columbia Univ. Press, 1986 (ed. port. Ideologia e Utopia, Lisboa, Edições 70, 1991). Mais próximo de nós, v. Francisco Elias de TEJADA, Ideologia e Utopia no 'Livro da Virtuosa Benfeitoria', in “Revista Portuguesa de Filosofia”, tomo III, jan--mar, 1947, fasc. 1.

[2] Não é só José Saramago que alerta para o perigo do voto em branco. Antes dele já BRECHT, “A Solução”, in Poemas, p. 88, havia satirizado essa tendência de tantos dos que detêm algum poder para se queixarem do Povo, que tantos problemas lhes traz, pela sua indocilidade, pela reivindicação.- e agora quiçá pela indiferença também. Recordemos: “(…) O Secretário da União dos Escritores/ Fez distribuir panfletos na Alameda Estaline/ Em que se lia que, por culpa sua, / O povo perdeu a confiança do governo/ E só à custa de esforços redobrados/ Poderá recuperá-la. Mas não seria/ Mais simples para o governo/ Dissolver o povo/ E eleger outro?”…

[3] Anthony GIDDENS, The Third Way. The Renewal of Social Democracy, 12.ª reimp., Cambridge, Polity, 2002.

[4] Para uma primeira abordagem do conceito, cf. o nosso Miragens do Direito. O Direito, as Instituições e o Politicamente Correto, Campinas, São Paulo, Millennium, 2003.

[5] De entre múltiplos testemunhos, atentemos apenas no de Jeremy WALDROM, Theoretical Foundations of Liberalism, in “The Philosophical Quarterly”, vol. 37, n.º 147, Abril 1987, in ex in Liberalism, ed. Richard J. Arneson, Aldershot, Edward Elgar, 1992, vol. III, p. 129 / 155. “Certainly a strong commitment to liberty in the economic sphere is more likely to be associated with political conservatism than with liberalism, particularly as those terms are understood in North America. Those who plead for freedom of contract, for the freedom of property-owners to do as they please with their land, and the liberation of business from bureaucratic regulation, may think of themselves as ‘libertarians’; but they will be as anxious as their opponents that the term liberal should not be used to characterize these positions. However, it does not follow that those who do call themselves liberals are unconcerned about liberty, even in economic life. For one thing, many liberals will argue that right-wing economists have abused and wrongfully appropriated the language of freedom: they affect to be concerned with freedom generally, but it turns out to be the freedom of only a few businessmen that they are worried about and not the freedom of those they exploit or those constrained by the enforcement of their property rights. Freedom for few, these liberals will say, is an unattractive political ideal since, under plausible assumptions, it means oppression and constraint for the many. A more attractive ideal would be equal freedom for everyone”

[6] Uma das primeiras e mais interessantes vezes que lembramos ter sido a expressão utilizada foi por Alexandre Herculano, apud David MOURÃO-FERREIRA, Tópicos Recuperados. Sobre a crítica e outros ensaios, Lisboa, Caminho, 1992, p. 114: “Assim pertence a todos os bandos políticos, aceita todos os princípios, curva-se a todos os jogos, contanto que o deixem roer os testemunhos da história de da arte; que o deixem fazer-nos esquecer da glória nacional e de que somos um povo de ilustre ascendência. Este pensamento é o seu pensamento único, perpétuo, inabalável”. Apesar de o contexto epocal e do uso do termo ser, obviamente, muito diferente, não deixa de haver algum ar de família nesse cosmopolitismo provinciano, desenraizado, e anti-cânones.

[7] Para medidas concretas inspiradas no pensamento social-liberal stricto sensu, sobretudo nos baseámos em textos da Internacional Liberal, que tem em boa medida navegado por essas águas. Cf., v.g., os documentos coligidos por Julie SMITH, A Sense of Liberty. The History of the Liberal International, Londres, Liberal International, 1997. Algumas das citações sem indicação pormenorizada de fonte foram colhidas no completíssimo site do Centro de Estudos do Pensamento Político, no ISCSP, dirigido pelo Prof. Doutor José Adelino Maltez. http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/abertura.php

[8] Cf. o clássico de Martin HEIDEGGER, Holzwege, 1950.

[9] Cf. o nosso Constituição, Direito e Utopia. Do Jurídico-Constitucional nas Utopias Políticas, Coimbra, 'Studia Iuridica', Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra/Coimbra Editora, 1996.

[10] Roger MUCCHIELLI, Le Mythe de la cité idéale, Brionne, Gérard Monfort, 1960 (reimp. Paris, P.U.F., 1980).

[11] Ernst BLOCH, Das Prinzip Hoffnung, trad. cast. de Felipe Gonzales Vicen, El principio esperanza, Madrid, Aguilar, 1979, 3 vols.

[12] Cf., v.g., Zygmunt BAUMAN, In search of Politics, Cambridge, Polity Press, p. 7: “ (…) we live also through a period of the provatization of utopia and of the models of the good (with the models of the ‘good life’ elbowing out, and cut off from, the model of the good society)”.

[13] Neste sentido, por exemplo, Charles E. LARMORE, Patterns of Moral Complexity, 1987, p. 53, apud Chantal MOUFFE, O Regresso do Político, trad. port., Lisboa, Gradiva, 1996, p. 167: “se os liberais pretenderem seguir em absoluto o espírito do liberalismo, terão também de conceber uma justificação neutra da neutralidade política”.

[14] Cf. infra, n. 32.

[15] Sobre as insuficiências e alternativa a tal dicotomia, que, contudo, entrou tão arreigadamente nos usos que as razões contra ela de pouco valem, e, na verdade, todos continuam a usá-la, mais ou menos, e com mais ou menos aspas, cf. o nosso “As Ideologias e a Oposição Binária: crise ou metamorfose?”, in Anti-Leviatã. Direito, Política e Sagrado, em preparação.

[16] Miguel REALE, O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias, 1998.

[17] Cf., por todos, Jaime CORTESÃO, Os Factores Democráticos na Formação de Portugal, 4.ª ed., Lx.ª, Livros Horizonte, 1984; Teixeira de PASCOAES, Arte de Ser Português, nova ed. com prefácio de Miguel Esteves Cardoso, Lisboa, Assírio e Alvim , 1991.

[18] Cf., v.g., C. B. MACPHERSON, The Life and Times of Liberal Democracy, Oxford University Press, 1977, trad. castelhana de Fernando Santos Fontenla, La Democracia Liberal y su Época, 6.ª ed., Madrid, Alianza Editorial, 2003, p. 9.

[19] Não nos esqueçamos que socialismo deriva do liberalismo. Cf. WALDROM, op. cit., p. 128 /154 – “Indeed it is plausible to argue that in the case of socialism, we are talking of a new family that has broken away from an old liberal stock; so that often we must expect to find characteristics in a ‘socialist’ theory which quite closely resemble those of their repudiated liberal cousins”. Em alguma medida se pode falar numa grande família alargada social liberal, um social-liberalismo em sentido lato, que abarca todos os que se identificam com a democracia liberal ocidental e têm preocupações sociais, sendo o social-liberalismo stricto sensu uma das modalidades do liberalismo.

[21] Apud Diogo Freitas do AMARAL, Democracia Cristã, in Polis. Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, II, Lisboa / São Paulo, 1984, col. 77.

[22] Em política tudo pode recuar muito longe, real, simbólica ou analogicamente… Cf., v.g., Mircea ELIADE, p. 163: “As ideologias ‘humanitaristas’ dos séculos XVIII e XIX nada mais fazem do que retomar e elaborar, ainda que de forma dessacralizada, a velha concepção da pietas tomana”.

[23] Anterior à crise mundial da DC, mas continuando perfeitamente válida como grande síntese histórica e ideológica, cf. Diogo Freitas do AMARAL, Democracia Cristã, cit., cols. 74-96.

[24] Quem hoje se lembra já da consideração da ex-Jugoslávia, dos comunistas Enrico Berlinguer ou Santiago Carrilho, ou do economista húngaro Otta Sick, ou de um certo terceiro-mundismo como representantes de terceiras vias?

[25] Cf. Anthony GIDDENS, The Third Way. cit.

[26] Renato TREVES, Sociologia e Socialismo, p. 213.

[27] Cf. o muito falado Francis FUKUYAMA, The End of History and the last Man, trad. port. de Maria Goes, O Fim da História e o Último Homem, Lisboa, Gradiva, 1992.

[28] Considerando mesmo tal meliorismo um dos principais elementos da tradição liberal, v.g., John GRAY, Liberalism, trad. cast. de Maria Teresa de Mucha, Liberalismo, 2.ª ed., Madrid, Alianza Editorial, 2002, p. 11 ss..

[29] Cf. uma interpretação diferente (mas a verdade é que há muitas fontes e muitas modalidades…) em Frank BEALEY / Richard A. CHAPMAN / Michael SHEEHAN, Elements in Political Science, Edinburgh, Edinburgh University Press, 1999, p. 160.

[30] Cf. designadamente os nossos “Valores, Princípios e Direitos”, in O Ponto de Arquimedes. Natureza Humana, Direito Natural, Direitos Humanos, Coimbra, Almedina, Junho de 2001, p. 210 ss.; Da Justiça na Constituição da República Portuguesa, in volume comemorativo Nos 25 Anos da Constituição da República Portuguesa de 1976, Lisboa, AAFDL, 2001, recolhido in O Século de Antígona, Coimbra, Almedina, Fevereiro 2003, p. 127 ss.; Do Direito Natural Positivo - Princípios, valores e direito natural nas constituições e nos códigos civis portugueses e espanhóis, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, volume II, Coimbra, Almedina, 2002, recolhido ibidem, p. 95 ss.

[31] Gregorio PECES-BARBA, Los Valores Superiores, 1.ª reimp., Madrid, Tecnos, 1986, pp. 26-27.

[32] Cf., v.g., para o Reino Unido, George SABINE, A History of Political Theory, Nova Iorque, Holt, Rinehart e Winston, 1937, 20. ª reimp. da ed. em língua castelhana, Historia de la Teoria Politica, México, Fondo de Cultura Económica, 1945, p. 536 (trad. do cast.): “A legislação labora em Inglaterra data, segundo todos os cálculos, de 1802 e ainda que tenha progredido mais lentamente que o necessário, nos finais do séc. XIX a legislação liberal significava antes legislação social do que legislação destinada a implantar a competição económica. Desde John Stuart Mill, nenhum pensador liberal importante, salvo Herbert Spencer, defendeu uma teoria que sequer se aproximasse do laissez faire. Identificar o liberalismo com uma teoria puramente negativa da relação entre o governo e a economia é um exagero tendencioso, que não vale a pena discutir”. Ainda para o Reino Unido, mais factual, Serviços de Imprensa e Informação da Embaixada Britânica, A Consciência Social na Grã-Bretanha, s/l, s.n., 1944.

[33] Eduardo LOURENÇO, O Socialismo ou o Complexo de Marx, in “Opção”, n.º 1, 1976, p. 25: “É inútil fingir que o pensamento socialista, enquanto instrumento teórico da acção política incarnada pelos chamados partidos socialistas, tenhas hoje aquele mínimo de coerência interna e eficácia práticas capaz de corresponder ás esperanças que milhões de homens depositaram nele”. E, mais à frente sintetiza: “Em suma, somos obrigados a verificar que diante da ideologia perfeitamente estruturada do socialismo-comunista, aquilo a que se pode designar de ideologia socialista, ideal teórico de um socialismo-outro, ou não tem rosto, ou se resume numa amálgama de verdades ou lugares-comuns caídos da grande árvore marxista ou da mais frondosa ainda do marxismo-leninismo. Para sermos claros: Não existe ideologia socialista, ou se se prefere, aquilo que por tal se toma, não tem o poder de convicção íntima e exterior que torna o marxismo tão revolucionário.”. O autor proclama a tese de que “todo o socialismo é marxista” (Ibidem, n.º 2, p. 25). O mesmo autor faz um balanço interessantíssimo em “Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História?”, Finisterra. Revista de Reflexão e Crítica, Outono 2002, n.º 44, pp. 7-11, in ex “Público”, 18 Fevereiro 2003, p. 12, afirmando, nomeadamente: “Como tendo tão rara e penosamente chegado ao poder na maioria das sociedades ocidentais não esteve à altura das suas responsabilidades? Como tendo sacrificado tanto na sua luta para tornar a sociedade mais justa e igualitária sucumbiu, como se o vírus burguês fosse fatal, à atracção dos valores e das práticas dos seus inimigos? Como se mimetizou ao ponto de se tornar, nos seus responsáveis, numa classe política dificilmente discernível daquela que pretendeu substituir e superar?” (p. 10). São provavelmente porém epifenómenos das dores de parto de um novo Socialismo… Muito mais impiedoso (mas certamente com razão) houvera sido, não para os socialistas democráticos /social democratas, mas para com outros, tidos e auto-proclamados como mais às esquerdas uma voz autorizada e insuspeita como a de Vergílio FERREIRA, Conta Corrente, I, Lisboa, Bertrand, p. 135: “O progressismo é a grande carreira. E é uma carreira fácil. Cita-se Marx. Assinam-se protestos. Escrevem-se artigos em louvor de escritores ‘porreiros’. Colabora-se nos jornais autorizados pelos autorizados pelo soviete do Monte Carlo, que só autoriza aqueles em que alguns dos ‘nossos’ ganham a vida. O resto é fácil. E tudo o mais é permitido: a boîte, o uísque e o Alfa Romeo”.

[34] Antonio PAIM, O Liberalismo Contemporâneo, 2.ª ed. revista e aumentada, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2000.

[35] É curioso como os críticos de ambos acabam mesmo por “criar” um híbrido: o “socialismo liberal”. Cf. Joaquín GARCIA HUIDOBRO/ Carlos I. MASSINI CORREA / Bernardino BRAVO LIRA, Reflexiones sobre el Socialismo Liberal, Santiago de Chile, Editorial Universitaria, 1988.

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